Estereótipo da "grande família" à paulistana, a Mooca lidera ranking dos melhores lugares para viver em SP, revela Datafolha
por ROBERTO DE OLIVEIRA
fotos CAMILA FALCÃO
Camila Falcão |
Fachada de casa típica da rua Hipia |
Bem, o bairro eleito pelos paulistanos não se encaixa exatamente no perfil descrito acima (se é que algum se encaixa) e errou feio quem apostou em Jardins, Higienópolis e outros campeões de preços e badalação.
O melhor lugar para morar em São Paulo, segundo pesquisa Datafolha, é a Mooca, um encrave localizado nos arredores de um pólo industrial desativado, entre a conglomerada região central e a populosa zona leste. Embolados logo a seguir, figuram Vila Mariana, Tatuapé, Ipiranga e Santana (veja quadro na pág. 24). Com exceção deste último, todos ficam no centro expandido da cidade.
"Quem nasce ou vive aqui só se sente bem aqui", acha Carlos Branchi, 65, assistente comercial. "O mooquense quando muda, no máximo, troca de quarteirão", diz ele, enquanto acena para um, cumprimenta outro, dá tchau para a vizinha que acompanha a conversa, atenta, da janela.
Camila Falcão |
Casas floridas |
Cheiro característico, para começar. Nas ruas principais, bate um odor de alho frito no azeite ou de molho de tomate se misturando ao de café.
Camila Falcão |
Fachada histórica |
"Somos bairristas, sim. E com muito orgulho. Conservadores? Também. Acima de tudo, a Mooca é um bairro onde todos se conhecem, como uma irmandade", gaba-se o comerciante Gilberto Luizetto, 57, o dono do Giba's Bar, tradicional templo de comida caseira do bairro.
Camila Falcão |
Igreja São Rafael, uma das mais tradicionais da Mooca |
Sua mulher, Rosana, 51, reclama do machismo, do pão-durismo e de uma certa falta de privacidade _"Qualquer coisinha que acontece, todo mundo fica sabendo"_ , mas diz que não existe lugar melhor para "constituir uma família".
"É a região mais acolhedora do Brasil", exagera sua vizinha Roseli di Sessa Barbudo, 53, naquele sotaque italianado que lembra o da personagem Tancinha (vivida por Cláudia Raia), na novela "Sassaricando" (1987), da Rede Globo, outra particularidade mooquense.
Camila Falcão |
Chaminé da antiga fábrica da Antárctica |
O casal é unânime ao apontar a segurança como outro ponto favorável da região. "Não se vê tanto policiamento pelas ruas, mas é um lugar seguro", diz Giba, que se orgulha de nunca ter sofrido um assalto. "Quem vem de fora chama a atenção dos locais. Aqui, todo mundo conhece todo mundo", conta o comerciante.
Camila Falcão |
O comerciante Gilberto Luizetto, do Giba's Bar |
O quesito "segurança" figura entre os fatores mais lembrados pelos entrevistados do Datafolha na hora de escolher o bairro, seguido por sossego, acesso fácil e ofertas de serviços (veja quadro na pág.26).
Camila Falcão |
Entrada do Teatro Artur Azevedo |
O perfil industrial da região foi substituído pelo de prestador de serviços, principalmente a partir do início dos anos 1980, segundo o economista mooquense Pedro Felice Perduca, 57. Há desde oficinas de consertar sapatos, daquelas antigas, até lojas de aluguel de carro.
De programação eclética, o Artur Azevedo chama mais a atenção dos locais quando privilegia a comédia. "O povo da Mooca é festivo, gosta de dar risada", explica Antonio.
Perto do teatro, relíquias resistem ao tempo e poderiam figurar na categoria "sobreviventes" numa megalópole voraz como São Paulo. Na rua Catarina Braida, bem atrás de três torres altíssimas, construídas a pleno vapor, uma casa simples, com a parede repleta de desenhos de pássaros, lembra aqueles típicos armazéns rurais quase extintos até no interior.
Camila Falcão |
Antonio Santoro Junior, coordenador de arte do Artur Azevedo |
Na Marquês de Valença, uma placa avisa: "ambiente familiar". O Balneário Jóia é um tradicional ponto de encontro masculino da Mooca. Aos sábados, a sauna chega a atrair 150 senhores, boa parte deles acompanhada de filhos, netos e bisnetos.
Camila Falcão |
Marquise do teatro |
Nascida há cerca de 451 anos, às margens do rio Tamanduateí, a Mooca começou a ganhar feições de bairro entre os anos de 1870 e 1890 com a chegada dos imigrantes _italianos à frente, seguidos por espanhóis, portugueses e tantos outros.
Camila Falcão |
Um dos primeiros depósitos da Mooca |
O vínculo familiar entre habitantes do bairro surge a partir daí. Longe de seus parentes europeus, os moradores se "familiarizavam" por afinidades com os vizinhos, apesar dos percalços provocados pelo idioma.
Camila Falcão |
Morador apara planta em uma tranquila rua do bairro |
Outro ponto que ajudou a consolidar essa característica tão peculiar foi a forte consciência social, impulsionada pelos movimentos operários, que ali existiam até a década de 1950.
"A Mooca tem um histórico de luta social dentro de São Paulo. Por isso, seus moradores são tão orgulhosos de viver numa espécie de mundo à parte, com identidade e códigos próprios", acredita o professor de geografia da USP André Roberto Martin, 53, especialista no bairro.
Camila Falcão |
Entrada da Villa da Mooca |
Esses atributos históricos e sociais também existiram em outras regiões paulistanas, como no Brás, mas só sobrevivem na Mooca, diz o professor. Uma das justificativas para a resistência é o fato de que parte significativa do bairro estar relativamente protegida do crescimento do centro.
Camila Falcão |
Moinho Santo Antônio |
Até quando, ninguém sabe ao certo responder. Elizabeth Florido, 43, diretora da AmoaMooca (Associação dos Moradores e Amigos da Mooca), elenca uma série de problemas que o bairro enfrenta nos dias de hoje.
Áreas degradadas e invadidas, principalmente nas regiões das antigas fábricas e casarões abandonados, ausência de área verde (a região é um dos microclimas mais quentes de SP), carência de transporte coletivo e trânsito caótico nos horários de pico -devido à proximidade central, o bairro é rota de passagem.
O sistema de capacitação fluvial é antigo, do início do século 20, e as enchentes ocorrem em partes do bairro.
Basta um giro de 180 graus, na rua dos Trilhos, rumo à avenida Paes de Barros, por exemplo, para perceber que, de fato, os edifícios estão alterando a paisagem do bairro e justificando o nome "mooca" -que em tupi-guarani significa "faz casa".
A julgar pelo número de novos prédios em construção, a região atravessa um intenso processo de transformação pautado pela verticalização, avalia o professor de história da arquitetura José Eduardo de Assis Lefèvre, da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da Universidade de São Paulo.
Nos terrenos que antes abrigavam as fábricas estão sendo erguidos condomínios fechados, conjuntos de prédios rodeados por muros altos, espécie de "ilhas de tranqüilidade", na expressão do professor da USP.
Essa propensão tende a alterar totalmente o ambiente, o espaço público e até a composição social do bairro. "Do ponto de vista urbano é ruim, porque torna a rua um espaço neutro, só de circulação de carros, o que ameaça a socialização, a relação entre as pessoas, uma característica tão marcante em toda a história da Mooca", diz.
O que os moradores mais temem é que deixem de ser mooquenses e passem a ser identificados, simplesmente, como paulistanos.