12 de fev. de 2010

JORNADAS PRIMORDIAIS DO LITORAL AO PLANALTO


JORNADAS PRIMORDIAIS EM SÃO PAULO
Os primórdios da fundação “clássica” de São Paulo se deram na última semana de agosto de 1553, quando o padre Manuel da Nóbrega subiu a serra de Paranapiacaba para reunir três aldeias tupiniquins “em uma só”. Não há registros documentais comprovando que Nóbrega já houvesse percorrido anteriormente o “aspérrimo” Caminho dos Tupiniquins – a milenar trilha “de pé posto” que unia São Vicente ao topo do planalto. Mas não restam dúvidas de que se tratava de uma jornada extenuante, com duração de pelo menos dois dias, embora viajantes mais vigorosos, como os próprios indígenas, fossem capazes de vencer o percurso em cerca de 12 horas.
O vasto lagamar de águas salobras, localizado atrás de São Vicente e constituído por um emaranhado de rios e mangues, era vencido em ubás e pirogas – canoas indígenas – que conduziam os viajantes até o lugar chamado de Piaçagüera de Baixo. Dali, por terra, marchava-se pela área alagadiça, hoje ocupada por Cubatão, até Piaçagüera de Cima, um pequeno pouso localizado na raiz da serra de Paranapiacaba (“lugar de onde se vê o mar”, em tupi).
Naquele ponto começava a parte realmente árdua do trajeto: a subida da serra, que, ao longo de apenas 12 quilômetros pelo vale do rio Mogi, seguindo os trilhos da atual estrada de ferro Santos-Jundiaí, ascendia desde o nível do mar a mais de 850 metros de altura, por uma vereda limosa e escorregadia, entre rochas e cachoeiras. Então, após serpentear pelo emaranhado da Mata Atlântica, o caminho enfim chegava a uma zona de campos, nas nascentes do Tamanduateí.
DESCRIÇÃO DA JORNADA POR UM JESUÍTA
A descrição mais vívida da subida foi feita pelo também jesuíta Fernão Cardim, que realizou a jornada em 1590: “Caminhamos duas léguas [12 quilômetros] por água e uma por terra e fomos dormir ao pé de uma serra ao longo de um formoso rio de água doce que descia com grande ímpeto de uma serra tão alta, que ao dia seguinte caminhamos até o meio-dia, chegando ao cume bem cansados: o caminho é tão íngreme que às vezes íamos pegando com as mãos.
Chegando em Paranapiacaba, isto é, lugar de onde se vê o mar, descobrindo o mar tão largo quanto podíamos alcançar com a vista, e uma enseada de mangues e braços de rios de comprimento de oito léguas e duas e três em largo, cousa muito para ver, e parecia um pano de armar: a toda essa terra enche a maré, e ficando vazia fica cheia de ostras, caranguejos, mexilhões, briguigões e outras castas de mariscos: aquele dia fomos dormir junto a um rio de água doce, e todo o caminho é cheio de tijucos e o pior que nunca vi, e sempre íamos subindo e descendo serras altíssimas, e passando rios caudais de água frigidíssima”.
“Ao terceiro dia navegamos todo o dia por um rio de água doce [o Pinheiros], deitados em uma canoa de casca de árvore, em a qual iam até 20 pessoas: íamos voando a remos, e da borda da canoa à água havia meio palmo (…) Era necessário guardar o rosto e os olhos; porém a navegação é graciosa por o ser a embarcação e o rio mui alegre, cheio de muitas flores e frutos, de que íamos tocando, quando a grande corrente nos deixava; chegando a piaçaba, isso é o lugar onde se desembarca e demos logo em uns campos”.

Possivelmente na terceira semana de janeiro de 1554, Nóbrega, acompanhado de 12 padres e irmãos, subiu novamente a serra e, após ter rezado uma missa “na formosa povoação que então se iniciava”, substituiu o nome indígena de Piratininga (“lugar onde se seca o peixe”), batizando o novo colégio dos jesuítas com o nome de São Paulo, cuja conversão ao cristianismo é comemorada em 25 de janeiro, o dia que Nóbrega, justamente por isso, escolheu para rezar a missa inaugural do colégio do planalto, já que São Paulo foi o “apóstolo dos gentios”.
Fonte: Artur Lopes
Formatação:HRubiales
Biografia:
São Paulo no Século XVI, Afonso Taunay, Tours Arraul&Cie, 1921
A Cidade de São Paulo – Geografia e História, Caio Prado Jr., Brasiliense, 1983
Aldeamentos Paulistas, Pasquale Petrone, Edusp, 1995
A Coroa, a Cruz e a Espada, Eduardo Bueno, Objetiva (ainda inédito)
São Paulo Seiscentista, Teodoro Sampaio, MEC, 1975